terça-feira, 12 de outubro de 2010

O Tempo Do Vovô

Sinto falta da época em que eu ainda andava a cavalo com meu avô. O outono tinha cheiro de flor de café, comiamos fruta do pé, vovó amassava pão com a mão, eu comia mingau de fubá e raspava o tacho de doce com colher de pau.
O dinheiro era pouco, a roupa também. Mas os sorrisos eram fartos, assim como o alimento que vinha direto da horta e o espaço para brincar.
Nos dias de sol eu e meus vários primos brincávamos no mato, barranco abaixo sobre uma folha de bananeira, cafezal acima no lombo do cavalo para recolher os sacos de café que os camaradas apanhavam. Nos dias de chuva éramos só eu e minha avó ao lado do fogão, faziamos principalmente bolinhos-de-chuva, mas também doce-de-amendoim, curau de milho e biscoitos de nata ou pinga.
A vida no interior do estado de São Paulo ainda tinha ares de interior:a água fresca da mina, o café fresco do fogão a lenha, o leite forte direto da vaca, os dedos coloridos de amora no fim das tardes de verão e a grama molhada de orvalho ao amanhecer. Televisão ninguém tinha e não fazia falta. Relógios eram poucos, carregados nos bolsos, dava-se corda no tempo, hoje ele é a bateria, não precisa mais dos nossos dedos, é independente da nossa vontade.
Hoje o tacho de doces está enferrujado, as verduras vêm do mercado, não tem mais pés de frutas e grãos de café, não como mais mingau de fubá. A água da mina acabou, assim como o vovô.
(Amanda Monteiro)

Esse texto é da minha irmã, feito pra um trabalho de escola. É certo que tem uma mãozinha minha, principalmente quando se trata do fim dramático. Decidi colocá-lo aqui hoje por conta da nostalgia de não sermos mais crianças, em especial nesse dia. Não faz muito tempo que a caçulinha andava por aí toda descabelada, pegando em insetos, fuçando na terra, e ontem quando fui reparar ela já é gente feita, depois de amanhã faz 14 anos e nem tem o cuidado de acenar pra se despedir da infância que se vai. Agora nossas conversas são de um tempo colorido, inocente, sem intrigas que se foi e não volta, o tempo de nossos avós, o de nossos pais e até o tempo que a gente pensa ser nosso. Afinal os tornozelos cresceram e as mãos tem medo de se sujar.
Mas apesar de tudo, feliz dia das crianças! Se não por nós, que seja pela criança que um dia fomos.

2 comentários:

  1. É algo intrigante.
    19 anos e escrevemos da infância que já se foi.

    Eu tenho bilhões de fios brancos já man, me sinto velho =/

    E o que mais me dói e é ver as crianças deixando de viver a infância, rodar pião, pega-pega e roba raminho pra ficar vendo apologia à violência na TV, Dorgas e Restart =/²

    Se soubessem o mal que fazem...

    Belo texto e a propósito biscoitos de pinga devem ser uma iguaria muito dahora *---*

    =*

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  2. Belo texto, Parabéns!
    O blog como sempre esta lindo!

    :*

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