O passarinho estava na calçada,
nuca encolhida, olhar assustado e, assim que viu o ninho lá em cima foi se
afastando em choque até esbarrar em algo. Era um par de sapatos envernizados. O
coração palpitou e as penas eriçaram, correu para procurar abrigo. Os sapatos
nem o notaram.
Recostou-se no canto do canteiro
ente uma bituca de cigarro e uma raiz, debaixo de uma flor. Caira do ninho.
Agora, a criaturinha observava todo tipo de pés apressados cravando suas solas
e saltos na calçada do parque, já um tanto desgastada pelo tempo. De tempo, de
atraso, de pressa.
Um sapato marrom vinha urgente e
foi diminuindo o passo enquanto um salto vermelho passava ágil ecoando um toc-toc ritmado, mas logo o padrão
voltou acelerado. Passou um tênis correndo e outro desamarrado. Um sapato
branco, um manchado, um descorado e mais um envernizado. Passou um pé descalço.
Uma bota, uma sandália e um chinelo cruzaram com dois pares de saltos bem
apanhados e um terceiro descascado.
A avezinha se distraíra com a correria dos pés
e sem mais nem menos a flor debaixo da qual se escondia fora apanhada, de novo
se assustara. Eram mãos pequenas e gordinhas, de dedos curtos. As bochechas
eram coradas e os olhos escuros, igual ao cabelo cacheado. O sapatinho rosa
pisava meio desajeitado com suas meias brancas de algodão. A menina encarou o
pássaro, uma mão segurava a flor e a outra se esticava para pegá-lo. A
respiração do pequenino era nervosa e descompassada.
A mãe da garotinha já ia longe na
calçada com sua agenda cheia de compromissos quando deu pela falta da filha que
vinha em sua direção de braços esticados entregando-lhe algo. Era um passarinho
bem pequeno, com poucas penas. Ele tremia. A mãe o tomou e, esquecendo do relógio, olhou para a
árvore ali perto, conseguiu ver um ninho. Aproximou-se dos galhos e esticando-se
além dos sapatos de salto colocou-o de volta no ninho. Tomou a menina pela mão.
Continuou a rotina. A menina ora olhava a mãe, ora olhava para trás. Imaginava
o pequenino de volta à sua mãe, de volta ao lar. E continuou a imaginar.